segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Coitadinho do Tatá

‘Seu’ Aníbal, morador antigo daquela rua no subúrbio, resolveu festejar os quinze anos da filha caçula com uma bela festa. Mas resolveu fazer o arrasta-pé em sua própria residência, já que morava em uma casa grande com amplo quintal. Ali ele criava algumas galinhas, um cachorro que, apesar de vira-lata era valente, uma tartaruguinha e dois papagaios. Coisa comum em casas de subúrbio.
Convidou os moradores da rua e do bairro, principalmente a juventude, já que tinha três filhos: a aniversariante, outra de dezessete e o filho mais velho, um rapaz com vinte anos.
O Aderbal, jovem de boa índole, morava no bairro duas ruas acima do ‘Seu’ Aníbal, e era muito amigo do Rogério, o filho mais velho; além disso, andava arrastando a asa para a Marilu, a filha do meio. Por isso foi dos primeiros a constar da lista de convidados.
No dia da festa Aderbal apareceu impecável. Vestiu sua melhor roupa e foi decidido a conquistar definitivamente a Marilu. Como não jantou — já que não ia perder a oportunidade de saborear os acepipes que sabia serem de primeira — comeu à tardinha um sanduiche de presunto no bar do Galego para forrar o estômago até a hora do rega-bofe. Mas o diabo do sanduiche bateu pesado e entrou em rixa com a dobradinha do almoço, iguaria da qual não abria mão e que sua avó fazia tão bem. Os dois, o sanduiche e a dobradinha não se deram bem e a toda hora reclamavam um do outro.
O fato é que, desde o momento do lanche começou a sentir-se indisposto e cheio de borborigmos e flatulências que vinham incomodá-lo. Alguns ruídos surdos e roucos demonstravam o movimento peristáltico das massas internas e o acúmulo de ventosidades indesejadas; mas não perderia aquela festa por nada, principalmente porque o tal sintoma era intermitente e, sendo assim, deixou correr.
No início estava tudo bem! Dançou, brincou, contou piada, namorou... As coisas corriam às mil maravilhas. Ambos, ele e a Marilu, estavam em idílio, primeiro enlevo, primeira dança, primeiro beijo... Um sonho! Veio o jantar e ambos sentaram-se juntinhos de mãos dadas por baixo da toalha, saboreando o salpicão e o pernil com a satisfação dos jovens sem muita preocupação com os problemas pátrios ou mundiais. Dançavam todas as músicas tocadas... Em fim, estavam felizes.
Mas Deus põe e o diabo dispõe. Lá pela meia-noite Aderbal sentiu vontade de ir ao banheiro para livrar-se de vez dos seus incômodos intestinais. A casa só tinha um banheiro disponível e este estava sempre ocupado; pior tinha fila na porta, e ele ficou com vergonha de pedir para usar a suíte privativa do segundo andar. Mal recomeçou a música Marilu chamou-o para dançar e ele foi. Terminada a dança correu novamente para o banheiro: ocupado! E o pior é que os sintomas estavam piorando! A namorada foi outra vez buscá-lo para dançar e ele teve que concordar. A esta altura já havia esforço e sacrifício de sua parte. Assim que se teve nova chance Aderbal deu uma desculpa e correu para o banheiro pela terceira vez. Novamente fechado!
A essa altura o suor já descia em grossas bagas pela sua testa. Já nos extremo de uma condição segura Aderbal esgueirou-se para o quintal! Estava escuro, mas podia-se vislumbrar a silhueta de uma pilha de caixas e foi para lá que ele correu a fim de aliviar-se daquele incômodo. Sem muito tempo para delongas foi logo despindo as calças e despejando tudo que tinha direito com um alívio típico dos que se encontram nessa difícil situação e conseguem tranquilizar as entranhas revoltas. Foi uma quantidade bastante expressiva!
Terminando o serviço, após limpar-se com papel que sempre trazia no bolso para emergências desse tipo, sentiu vontade de examinar sua obra, curiosidade que, embora meio mórbida, é natural à maioria das pessoas. Para tanto tirou do bolso o isqueiro — era fumante o nosso herói — e acendeu-o iluminando o espaço onde depositara seus restos.
Nada! Nem o menor traço! Intrigado olhou de novo examinando ao redor: nada! Nem o cheiro sobrara!
Com medo que dessem pela sua falta voltou para a festa, confortável intestinalmente, mas cheio de grilos na cabeça que não o deixavam se divertir a contento. “Tenho certeza que fiz”, ruminava consigo mesmo. “Que mistério será este?”
O resto da festa passou-se sem que ele se divertisse. Não esboçou mais seu sorriso fácil e nem contou novas piadas. Estava xoxo e sorumbático, mais meditabundo do que o normal. Marilu estranhou algumas vezes achando que o namorado não estava gostando da festa, mas ele desconversava distraído e mudava de assunto. Despediu-se taciturno e foi para casa ruminando o “tal enigma” do inexplicável desaparecimento escatológico.
 Não dormiu à noite. Tinha cochilos intermitentes, cheios de pesadelos onde aparecia sempre alguma alusão ao esdrúxulo caso. Simplesmente não havia explicação! Era um fato insólito o mistério do cocô invisível.
Pela manhã “acordou” mal, o rosto marcado pela insônia. Deitara tarde e levantara-se cedo. Engoliu o café, que lhe soube amargo, desgostoso e decidiu averiguar novamente “in loco” o que poderia ter acontecido. Foi andando pela rua da festa e avistou, no portão, “seu” Aníbal que tinha o hábito de levantar-se cedo para comprar o pão. Aproximou-se e cumprimentou:
— Bom dia!
— Bom dia — respondeu “seu” Aníbal —, os meninos ainda não se levantaram...
— Não, não é com eles que eu quero falar... É que ontem eu perdi uma cadernetinha, nada de valor, mas possui alguns números de telefone... Posso procurar?
— Claro! Entre e fique à vontade!
Aderbal correu célere para a pilha de caixas e examinou minuciosamente o local: Nada! Nem vestígio! Percorreu as proximidades e nem resquício, para seu desespero.
Voltou desapontado:
— É... Não achei! Devo ter perdido em outro lugar! Mas não é nada de valor — disse com voz onde se notava uma pequena frustração.
“Seu” Aníbal pegou a deixa e comentou:
— Me arrependi da dar essa festa! Estou extremamente chateado!
— É mesmo? O que houve? — perguntou o rapaz curioso.
— Tem muita gente mal-educada — queixou-se o homem. — Gente sem coração que se compraz em fazer maldades.
“Seu” Aníbal estava mesmo chateado. Sua voz mostrava o profundo desgosto que lhe ia ao íntimo. Aderbal meio sem jeito e preocupado que o velho poderia estar chateado por causa de seu namoro com a Marilu ficou em silêncio esperando que ele dissesse algo. “Seu” Aníbal prosseguiu:
— Você sabe que nós temos um bichinho de estimação, o Tatá, um cágado que é o xodó da casa! O bichinho não faz mal a ninguém, vive no seu cantinho comendo suas folhinhas de alface... Não incomoda em nada. Todos os dias pela manhã ele vem até nós para pedir sua comida...
Agora “seu” Aníbal estava realmente desolado. Sua tristeza era visível. Com a voz rouca continuou:
— Hoje pela manhã estávamos, minha esposa e eu, sentados à mesa para o café quando Tatá entrou... Coitadinho!
As lágrimas rolaram pelo rosto do velho. A emoção foi demais, mas ele completou entre soluços:
— Fizeram cocô em cima do Tatá!





Nenhum comentário:

Postar um comentário